“ZÉ SUZANA”, UM CABOCLO DO SERTÃO ALAGOANO

Reproduzimos abaixo o texto de autoria do vice-presidente, desta Seção Regional, Escrivão de Polícia de Classe Especial aposentado, Rodomil Francisco de Oliveira.

No dia 15 de março de 1909, filho de Francisco Bernabel da Silva e de Suzana Bezerra Leite, nasceu “Zé Susana”, em Quebrangúlo (ou Quebrângulo), Alagoas. Foi contemporâneo do grande escritor Graciliano Ramos, nascido naquela cidade.

Mudou-se, com a família, para a cidade de Palmeirina, em Pernambuco, de aproximadamente 5.000 habitantes, fixou moradia em Cachoeira Dantas, lugarejo de aproximadamente 100 pessoas. Tinha apenas uma Igreja Presbiteriana, no centro e moradores humildes e trabalhadores. Como ponto turístico uma cachoeira denominada “Simôa”, muito conhecida na região, uma pequena escola primária cuja professora era
rígida e muito competente, chamada Ubaldina, nome de muito respeito na cidade e região. Seu marido Pedro, o coletor de impostos, seguia sempre a orientação religiosa e a formação humilde das pessoas.

Dali saíram vários grandes homens e mulheres, para cidades, capitais e outras partes do mundo.
Zé Suzana e esposa tiveram vários filhos, aproximadamente 23, sendo que 12 foram criados e da mesma origem, outros vieram a falecer precocemente, sendo alguns bastardos (filhos de outras mães), tendo como legado ensinar a cumprir, com honra e trabalho, os que dele eram dependentes.

Faleceu em 27 de dezembro de 1983 (atestado de 29/12/1983), brutal e
covardemente assassinado por um ladrão de frutas, que fez tocaia, entre Palmeirina e Cachoeira Dantas, após ter sido dado queixa do furto.


Naquele local teve sua residência fixa, pois amava sua terra e sua gente. Até aí, tudo é normal para um homem caboclo nordestino. Seguindo a norma do lugar, “os caboclos, além de homens fortes, são uns bravos!” (da obra de João Guimarães Rosa).


Na cidade tinha uma pessoa que comandava a parte política e era considerado o médico, por ser dono da única farmácia da cidade. Era quem dava os diagnósticos. Chamado Celestino Bruno, seu nome já dizia, ou sarava ou seguia para o céu (celestino). Deixou grande legado tanto na parte política como comercial e salvou muitas pessoas, na cidade, que não tinha hospital, não tinha cadeia nem outro atendimento médico ou
jurídico. Como segurança, tudo dependia de um sargento, um cabo e dois soldados e estes prendiam e soltavam: eram a lei. Não havia presos, servindo de cadeia uma casa velha onde, por algumas vezes, ficavam os bêbados, após fazerem algazarra nos dias de feira, que era o principal movimento nos inícios da semana.

Um cartório onde um deficiente muito inteligente fazia os registros e escrituras. Muito conhecido pelas suas tiradas técnicas e piadas bem contadas, fazia serestas e era conhecido por “Zé Pezinho” ou “Zé Pastor”, devido à sua deficiência. Não tinha dentista: quem cuidava das “dentaduras” na cidade era o “Zé Dentista”, que usava sua arte e o fazia
com muita perfeição. Acredita-se que nunca frequentou uma faculdade, sendo provavelmente um “curioso” ou protético, eterno aprendiz.

As escrituras públicas relacionadas a terras e propriedades eram feitas em outro cartório comandado pela família Gonzaga, pessoas de alto nível e respeitadas na cidade. O Beto até tocava violão (não lá essas coisas), mas conhecia as músicas do Caetano, Gil, Alceu Valença, Gonzaga, Milton Nascimento e outras “feras” da MPB, juntamente com seu
primo, Fernando Bruno, filho de Celestino, que hoje é advogado na cidade.

Tudo tinha como orientação o que acontecia em Garanhuns, cidade que já naquela época tinha mais de 100 mil habitantes e eram de lá as escolas superiores para outras formações. Havia duas igrejas, a católica, no centro da cidade, ponto de referência. Ali, como diz a história, um padre matou o bispo por ciúmes. Tem outras igrejas evangélicas, predominando as Presbiterianas. Apenas uma agência do Correio que era chefiada pela
“Dona Noêmia Caldas”, uma pessoa muito querida e simpática, conhecia todos que ali moravam e sabia como controlar as correspondências. Era esposa de Alberto Caldas, alto funcionário da prefeitura local.

Tanto em Cachoeira Dantas como em Palmeirina, na maioria, todos são parentes ou descendentes da mesma família. Os nomes Oliveira, Ferreira, dos Anjos, Bezerra, Caldas, Lins, Mendonça, Silva, Leite, normalmente de origem portuguesa que ali, provavelmente, com a invasão holandesa de 1640 e seguintes (com a República de 1822), ali se fixaram e constituíram famílias que, atualmente, são espalhadas pelo Brasil e pelo mundo. Por isso se observa um “monte” de pessoas com os nomes terminados em “SON”, como RONILSON, EDMILSON, EDILSON, WANDERSON, CLEDSON, NELSON (son= filho) e outros.


Se todos que nasceram naquela região ainda lá estivessem, seria, sem sombra de dúvidas, uma grande metrópole. Mas seguiram caminhos diferentes para as capitais, principalmente Recife e São Paulo, ou até outros Estados em que formaram grandes aglomerações de novas famílias e cidades.


Na década de 1950, Zé de Suzana, após se envolver numa briga, em defesa própria, provada nos autos, disparou um projétil de arma de fogo contra um ladrão de cavalos; teve problema com a justiça e veio para São Paulo.

Nesta cidade grande já residiam alguns de seus filhos mais velhos, que lhe deram guarida e carinho.

Após alguns anos voltou à sua origem, onde comprovou sua inocência, e foi absolvido. Por amor à terra, voltou a fixar residência em suas propriedades, vindo a triplicar o valor das mesmas, devido às plantações e investimento na agricultura e pecuária.

A família, em 1957, seguiu com destino a São Paulo, num caminhão tipo “Pau de Arara”, tendo a matriarca, sua mulher Vitalina, uma guerreira de muita personalidade e liderança, à frente da longa caminhada. Exemplo de mulher, religiosa, de personalidade forte, com fé e determinação, seguiu pelas estradas longas dos estados de Alagoas, Sergipe, Bahia, Minas até a Rua dos Xavantes, no bairro do Brás, num misto de inferno e
inverno de julho.

Mas a união da família, fazia o clima esquentar; só o amor pode fazer esses milagres.


Até a viagem pelas estradas longas e sem asfalto, caminhão velho e barulhento, seguindo por Vitória da Conquista, Feira de Santana e outras cidades que existiam naquele roteiro, era sempre uma nova história entre os passageiros “Mimim”.

A vovó querida, Felisbina, já com mais de 90 anos, ainda pitava seu cigarrinho, sempre contando suas histórias, demonstrava um grande carinho com os netos e ajudava na harmonia da família. Reclamava muito (coisa comum nos idosos), mas demonstrava muito carinho, até que veio a falecer, por falência múltipla dos órgãos, final de todos nós.


Em São Paulo, Vitalina chegou a comprar casas em nome dos filhos mais velhos. Dos menores, alguns não eram ainda registrados, coisa de nordestino. Por isso os registrou todos de uma vez, no cartório de Penha de França, onde não podiam nem mesmo confirmar, com certeza, a data do nascimento. Tudo era feito por aproximação: não podia a mãe lembrar, com exatidão, os dias, meses e anos: eram muitos. Desses 12 filhos surgiram vários netos e bisnetos, alguns sequer se conhecem e outros tiveram contato direto, dando seu apoio, quando necessário.

Assim a matriarca os orientou a todos no caminho do trabalho, da honestidade, do carinho, respeito, harmonia e fé cristã, onde em sua maioria frequenta a igreja Presbiteriana.

Nesta origem teve filhos advogados, comerciantes, técnicos de máquina de escrever, garçons, bancários, professores, pedagogos, policiais, professores, contadores, securitários, aeroviários e outras profissões e formações técnicas e profissionais que sempre dignificam o ser humano e a família. Até a formação de “pau de arara!” é gostosa de lembrar e sentir na pele que, “quanto maior o espinho mais linda é a rosa” e “quanto
maior os obstáculos da vida, maior será a vitória”, sem favores ou dedos de políticos ou ajuda de quem, muitas vezes, não pode ajudar ou ficaria mais caro.

O caminho da vida é, realmente, tortuoso, mas a comemoração da vitória e o sucesso são muito maiores. gratificantes e dadivosos. E o denodo é comum a esse povo nordestino e caboclo do nosso sertão e agreste brasileiro.

Rodomil F. Oliveira – Vice-Presidente da IPA –
Seção Regional de São Paulo

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