Carlos Alberto Marchi de Queiroz
Os brasileiros ficaram perplexos ao saber, pela imprensa, que o ex-procurador geral da República, Rodrigo Janot, confessou a uma revista semanal, no final de setembro, que entrou armado nas dependências do STF decidido a matar o polêmico ministro Gilmar Mendes para, em seguida, suicidar-se.
Janot admitiu que, ao deparar com Gilmar, sozinho, na antessala do Plenário do Supremo, antes de uma sessão, em 2017,sacou a pistola, escondida na beca, não apertando o gatilho contido pelo bom senso.
O móvel do crime seria Gilmar ter falado que a filha de Janot, advogada, defendia interesses da empreiteira OAS, envolvida na Lava Jato, em procedimento no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade).
Em razão da bisonha confissão, a rainha das provas, o ministro Alexandre de Moraes, presidente do inquérito que apura ameaças contra colegas da Suprema Corte, determinou, a pedido de Gilmar, que a Polícia Federal realizasse busca e apreensão na residência e escritório de Janot, cassando seu porte de arma, proibindo sua entrada no STF, bem como proibindo sua aproximação dos onze ministros, num raio de 200 metros.
O preparadíssimo Alexandre de Moraes deixou escapar que Janot teria infringido dispositivos da Lei de Segurança Nacional e do Código Penal. Seráque o ex-PGR cometeu crime?
Antes de respondera delicada questão, desejo lembrar conhecida frase de Oscar Wilde (1854-1900). Disse o famoso escritor irlandês, autor de “O Retrato de Dorian Gray” que “ a vida imita a arte, muito mais do que a arte imita a vida.”
Por isso, lembro que meus diletos amigos Luiz Carlos Ribeiro Borges e Gustavo Mazzola, colunistas deste jornal, não são os únicos apreciadores da Sétima Arte. Eu também adoro cinema!!!
Logo, dentro deste contexto, dois filmes, sucessos de bilheteria, merecem lembrança. Em 1974, o inesquecível Charles Bronson, dirigido por Michael Winner, estrelou, ao lado da lindíssima Hope Lange, “Desejo de Matar” (Death Wish). Em 2018, Bruce Willis e Elisabeth Shue, dirigidos por Eli Roth, fizeram o remake da película de 1974, novo arrasa quarteirão!!!
As películas estreladas por Bronson e Willis, ambos no papel de Paul Kersey, mostram a invasão da residência do mocinho, por delinquentes que matam sua esposa e estupram sua filha, deixando-a em coma. Kersey, diante da ineficiência policial, decide fazer justiça pelas próprias mãos contra os assaltantes e outros bandidos, no atacado e no varejo, transformando-se em um justiceiro, vigilante, segundo os ianques.
As condutas de Kersey e de Janot, embora desiguais, guardam, entre si, certos pontos de contato, mesmo remotos. O ex-PGR teria provocado a mordacidade de Gilmar ao pedir sua suspeição em famoso julgamento em que a esposa do magistrado integrava renomado escritório de advocacia contratado por Eike Batista. Como ensinam criminologistas franceses, em todo homicídio, consumado ou tentado, os agentes policiais devem estrita obediência ao princípio “cherchezlafemme”, enfim, procurar a mulher-pivô.
Durante sua conduta, Janot percorreu duas etapas do iter criminis, do caminho do crime: a cogitação (cogitatio) e os atos preparatórios (conatusremotus). Cogitou matar e conseguiu a arma. Não iniciou a tentativa (conatusproximus) não chegando à consumação (consummatio). Seu superego, ou censura, conteve o id, lado demoníaco da personalidade humana, segundo Freud, atual, até hoje, na Psiquiatria Criminal. O ex-PGR desistiu, voluntariamente de sua determinação,masresponderá pelos atos praticados, como pretende Alexandre de Moraes, indiciando-o em alguns artigos da LSN e do CP. Gilmar, vítima virtual, entrevistado, disse, que a conduta de Janot pode tangenciar um quadro de psiquiatria.
No passado, o Poder Judiciário foi envergonhado pela conduta do desembargador Pontes Visgueiro, que, no Segundo Império, assassinou sua jovem amante. O Ministério Público paulista foi envergonhado pelo comportamento do procurador Eduardo Gallo que, em Campinas, matou sua mulher, Margot Proença Gallo, na década de 70.A polícia judiciária brasileira foi envergonhada pela conduta do delegado Cláudio Guerra, no Espírito Santo. O Senado Federal foi envergonhado pelo senador Arnon de Mello, pai de Fernando Collor de Mello, que matou, no Plenário, o senador José Kairalla. Todavia, essas instituições superaram esses maus momentos, dos séculos 19 e 20, continuando suas gloriosas caminhadas. O MPF vai superar esse vexame, do século 21, mesmo denunciando Janot.
Sugiro ao jovem ministro Alexandre de Moraes que instaure, no curso do inquérito que preside, incidente de insanidade mental em desfavor de Janot. Seria trágico, para nossa História, ver o STF transformado em palco sangrento de um homicídio tentado, ou consumado, como acontecido no Senado.
Carlos Alberto Marchi de Queiroz é professor de Direito e membro da Academia Campinense de Letras e associado da IPA-SP.